terça-feira, 20 de maio de 2008

(meu) ir à marcha. Divagações pessoais em formato argumentativo.

A primeira “marcha” LGBT a que fui, resumiu-se a uma ida ao Arraial, e portanto não à própria marcha em si. Lembro-me que na altura, as duas coisas eram pra mim quase vistas como sinónimos, e portanto aparecer num dos acontecimentos bastava – também agora percebo facilmente o porquê de escolher o arraial e não a marcha.

Como muitos, retirei-me a qualquer responsabilidade (social, politica, etc.) participativa no momento da marcha, argumentando para mim mesmo de que “o facto de aparecer no arraial era claramente uma forma de apoio” e que era, para além disso, suficiente para lutar pela causa. Tal como eu, centenas ou milhares de pessoas (LGBT ou não, mas acredito principalmente que as LGBT) seguem o mesmo fio de “raciocínio” – é fácil confirmá-lo pela discrepância de afluência que têm um momento (marcha) e outro (arraial).

A ideia que subjaz é a de que se está a dar apoio à causa mas de uma forma casual, não comprometedora (palavra interessante dentro do tema), de quem apareçe “por acaso” para beber um copo. A outra ideia que é normalmente expressa é a de que a Marcha em si é uma manifestação de exuberâncias, de provocação e excentricidade – tentando arranjar desculpas e argumentos que expliquem a falta de “motivação” que existe para marchar e dar a cara; e nao fazendo o mínimo esforço de compreensão dessas "exuberâncias".

Claro que por trás destes “argumentos” existe a questão base do anonimato. Claro que por de trás deles surgem também ainda o preconceito e homofobia (demasiadas vezes internalizada pel@s própri@s). Claro que ao arraial podemos tod@s ir sem qualquer “preocupação”, porque LGBT ou não, assumidos ou não, sempre vai dando aquele ar cool de quem é alternativo, tolerante e mente aberta, e de quem apoia imenso as minorias. Contudo, o ir à marcha implica à partida todo um conjunto de convicções que parece que a maioria não está pronta a assumir. Se isto já não faz sentido para tod@s os que se afirmam tolerantes, não preconceituosos,etc ; ainda mais triste o é pela incidência que este pensamento continua a ter dentro da(s) própria(s) comunidade(s) LGBT. Resume-se ao facto de que poucos querem dar a cara. Principalmente nós, LGBT,que não fazendo frente, vamos alimentando uma imagem e postura vitimizadora e apática em que nos desresponsabilizamos a nós próprios pela nossa vida – social, afectiva, emocional, etc. Os argumentos para isto surgem e multiplicam-se rapidamente, e ainda que não tenham qualquer validade lógica (“estas coisas não valem a pena”, “lá estão eles a provocar”, “eu só não vou porque não me identifico com estas formas de protesto”) sempre vão servindo para acalmar a consciência de que não estamos a fazer nada para mudar situações que interferem, a maior das vezes, directamente com a nossa vida.

Acredito que tal como a minha, a postura de muitas outras pessoas relativamente a estas questões se vai modificando. Que tal como eu reconheci o meu desconforto outros o irão reconhecer neles próprios. E isto não se trata apenas de consciência política e social, ou o que quer que lhe queiramos chamar, nem de uma questão de tolerância – essa palavra que toda a gente gosta de usar mas onde normalmente escorregamos com facilidade. É tudo isto, e mais. É um exercício de consciência individual, de perceber que não basta pensar tolerância, anti-homofobia ou anti-discriminação... mas antes praticá-las, sem qualquer tipo de medo ou embaraço por assumirmos essa postura.

Acredito, porque quero acreditar, que com a devida sensibilização, a tendência da motivação seja crescente para que estes temas passem de um plano de expressão íntima e inibida, para a rua, para uma expressão social de contornos cada vez mais alargados. Isto porque também acredito que cada um deve ter o direito de se expressar como bem entender, e da forma que @ faça sentir mais confortável, sendo que aqui cabem todo o tipo de manifestações – das mais exuberantes às mais subtis – tendo também estas últimas lugar na expressão pública.

Acredito também, e principalmente, no afecto (palavra preferida), na medida em que acredito que é o que nos move, e que é por e para ele que existimos, física e psicologicamente; portanto é-me complicado perceber como é que um conceito básico e transversal, pode ser propulsor de tamanhas consequências, debates e opiniões, como se de repente falássemos todos de coisas diferentes. Diferente é apenas a forma como ele se pode expressar. Não é melhor, não é pior. É só, e tão simplesmente, diferente -palavra complicada de aceitar sem deixar de associar a algo negativo.

Porque o meu afecto só é realmente “fracturante” (beijinho ao alberto martins, por exemplo) para mim e para os que me rodeiam, uma vez que a discriminação continua a ser legitimada em variadíssimas formas, e a igualdade de direitos ainda se mostra, muitas vezes, demasiado longínqua. Por tudo isto, o Marchar faz-me cada vez mais sentido - é importante, pertinente e necessário. É antes de mais também uma questão de cidadania, e por isso vou, cada vez mais convicto, e orgulhoso por ter reconhecido e aprendido a viver com as minhas responsabilidades e a saber defender as minhas convicções e causas. E se o faço pessoalmente no meu dia-a-dia, irei no dia 28 de Junho fazê-lo de forma colectiva, social, política...como exercício de cidadania.

Porque apesar do cliché,a união pode mesmo fazer a força.

Até lá!

:)

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Carlos Gonçalves Costa.

greatcollapse@gmail.com

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